segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

III. O pecado original


A LIBERDADE POSTA À PROVA

         Deus criou o homem à sua imagem e o constituiu em sua amizade. Criatura espiritual, o homem só pode viver esta amizade como livre submissão a Deus. E o que exprime a proibição, feita ao homem, de comer da  árvore do conhecimento do bem e do mal, "pois, no dia em que dela comeres, terás de morrer" (Gn 2,17). "A árvore do conhecimento do bem e do mal" (Gn 2,l7) evoca simbolicamente o limite intransponível que o homem, como criatura, deve livremente reconhecer e respeitar com confiança. O homem depende do Criador, está submetido às leis da criação e às normas morais que regem o uso da liberdade.

O PRIMEIRO PECADO DO HOMEM

         O homem, tentado pelo Diabo, deixou morrer em seu coração a confiança em seu Criador e, abusando de sua liberdade, desobedeceu ao mandamento de Deus. Foi nisto que consistiu o primeiro pecado do homem. Todo pecado, daí em diante, ser uma desobediência a Deus e uma falta de confiança em sua bondade.

         Neste pecado, o homem preferiu a si mesmo a Deus, e com isso menosprezou a Deus: optou por si mesmo contra Deus, contrariando as exigências de seu estado de criatura e consequentemente de seu próprio bem. Constituído em um estado de santidade, o homem estava destinado a ser plenamente "divinizado" por Deus na glória. Pela sedução do Diabo, quis "ser como Deus", mas "sem Deus, e antepondo-se a Deus, e não segundo Deus".

         A Escritura mostra as consequências dramáticas desta primeira desobediência. Adão e Eva perdem de imediato a graça da santidade original. Têm medo deste Deus, do qual fizeram uma falsa imagem, a de um Deus enciumado de suas prerrogativas.

         A harmonia na qual estavam, estabelecida graças à justiça original, está destruída; o domínio das faculdades espirituais da alma sobre o corpo é rompido; a união entre o homem e a mulher é submetida a tensões; suas relações serão marcadas pela cupidez e pela dominação (cf. Gn 3, 16). A harmonia com a criação está rompida: a criação visível tornou-se para o homem estranha e hostil. Por causa do homem, a criação está submetida "à servidão da corrupção". Finalmente, vai realizar-se a consequência explicitamente anunciada para o caso de desobediência: o homem "voltará ao pó do qual é formado" A morte entra na história da humanidade.

         A partir do primeiro pecado, uma verdadeira "invasão" do pecado inunda o mundo: o fratricídio cometido por Caim contra Abel; a corrupção universal em decorrência do pecado; na história de Israel, o pecado se manifesta frequentemente e sobretudo como uma infidelidade ao Deus da Aliança e como transgressão da Lei de Moisés; e mesmo após a Redenção de Cristo, entre os cristãos, o pecado se manifesta de muitas maneiras. A Escritura e a Tradição da Igreja não cessam de recordar a presença e a universalidade do pecado na história do homem:

O que nos é manifestado pela Revelação divina concorda com a própria experiência. Pois o homem, olhando para seu coração, descobre-se também inclinado ao mal e mergulhado em múltiplos males que não podem provir de seu Criador, que é bom. Recusando-se muitas vezes a reconhecer Deus como seu princípio, o homem destruiu a devida ordem em relação ao fim último e, ao mesmo tempo, toda a sua harmonia consigo mesmo, com os outros homens e com as coisas criadas.

CONSEQÜÊNCIAS DO PECADO DE ADÃO PARA A HUMANIDADE

         Todos os homens estão implicados no pecado de Adão. São Paulo o afirma: "Pela desobediência de um só homem, todos se tornaram pecadores" (Rm 5,19). "Como por meio de um só homem o pecado entrou no mundo e, pelo pecado, a morte, assim a morte passou para todos os homens, porque todos pecaram...” (Rm 5,12). A universalidade do pecado e da morte o Apóstolo opõe a universalidade da salvação em Cristo: "Assim como da falta de um só resultou a condenação de todos os homens, do mesmo modo, da obra de justiça de um só (a de Cristo), resultou para todos os homens justificação que traz a vida" (Rm 5,18).

        Na linha de São Paulo, a Igreja sempre ensinou que a imensa miséria que oprime os homens e sua inclinação para o mal e para a morte são incompreensíveis, a não ser referindo-se ao pecado de Adão e sem o fato de que este nos transmitiu um pecado que por nascença nos afeta a todos e é "morte da alma[a34]". Em razão desta certeza de fé, a Igreja ministra o batismo para a remissão dos pecados mesmo às crianças que não cometeram pecado pessoal.

         De que maneira o pecado de Adão se tornou o pecado de todos os seus descendentes? O gênero humano inteiro é em Adão "sicut unum corpus unius hominis - como um só corpo de um só homem" Em virtude desta "unidade do gênero humano", todos os homens estão implicados no pecado de Adão, como todos estão implicados na justiça de Cristo. Contudo, a transmissão do pecado original é um mistério que não somos capazes de compreender plenamente. Sabemos, porém, pela Revelação, que Adão havia recebido a santidade e a justiça originais não exclusivamente para si, mas para toda a natureza humana: ao ceder ao Tentador, Adão e Eva cometem um pecado pessoal, mas este pecado afeta a Natureza humana, que vão transmitir em um estado decaído. É um pecado que será transmitido por propagação à humanidade inteira, isto é, pela transmissão de uma natureza humana privada da santidade e da justiça originais. E é por isso que o pecado original é denominado "pecado" de maneira analógica: é um pecado "contraído" e não "cometido", um estado e não um ato.

         Embora próprio a cada um, o pecado original não tem, em nenhum descendente de Adão, um caráter de falta pessoal. É a privação da santidade e da justiça originais, mas a natureza humana não é totalmente corrompida: ela é lesada em suas próprias forças naturais, submetida à ignorância, ao sofrimento e ao império da morte, e inclinada ao pecado (esta propensão ao mal é chamada "concupiscência"). O Batismo, ao conferir a vida da graça de Cristo, apaga o pecado original e faz o homem voltar para Deus. Porém, as consequências de tal pecado sobre a natureza, enfraquecida e inclinada ao mal, permanecem no homem e o incitam ao combate espiritual.

         A doutrina da Igreja sobre a transmissão do pecado original adquiriu precisão sobretudo no século V, em especial sob o impulso da reflexão de Santo Agostinho contra o pelagianismo, e no século XVI, em  oposição à Reforma protestante. Pelágio sustentava que o homem podia, pela força natural de sua vontade livre, sem a ajuda necessária da graça de Deus, levar uma vida moralmente boa; limitava assim a influência da falta de Adão à de um mau exemplo. Os primeiros Reformadores protestantes, ao contrário, ensinavam que o homem estava radicalmente pervertido e sua liberdade anulada pelo pecado original: identificavam o pecado herdado por cada homem com a tendência ao mal ("concupiscentia"), que seria insuperável. A Igreja pronunciou-se especialmente sobre o sentido do dado revelado no tocante ao pecado original no segundo Concílio de Oranges, em 529, e no Concílio de Trento em 1546.

UM DURO COMBATE...

         A doutrina sobre o pecado original ligada à doutrina da Redenção por meio de Cristo propicia um olhar de discernimento lúcido sobre a situação do homem e de sua ação no mundo. Pelo pecado dos primeiros pais, o Diabo adquiriu certa dominação sobre o homem, embora este último permaneça livre. O pecado original acarreta a ''servidão debaixo do poder daquele que tinha o império da morte, isto é, do Diabo". Ignorar que o homem tem uma natureza lesada, inclinada ao mal, dá  lugar a graves erros no campo da educação, da política, da ação social e, dos costumes.

         As consequências do pecado original e de todos os pecados pessoais dos homens conferem ao mundo em seu conjunto uma condição pecadora, que pode ser designada com a expressão de São João: "O pecado do mundo" (Jo 1,29). Com esta expressão quer-se exprimir também a influência negativa que exercem sobre as pessoas as situações comunitárias e as estruturas sociais, que são o fruto dos pecados dos homens.

         Esta situação dramática do mundo, que "inteiro está  sob o poder do Maligno" (1Jo 5,19), faz da vida do homem um combate:
Uma luta árdua contra o poder das trevas perpassa a história universal da humanidade. Iniciada desde a origem do mundo, vai durar até o último dia, segundo as palavras do Senhor. Inserido nesta batalha, o homem deve lutar sempre para aderir ao bem; não consegue alcançar a unidade interior senão com grandes labutas e o auxílio da graça de Deus.

         Depois da queda, o homem não foi abandonado por Deus. Ao contrário, Deus o chama e lhe anuncia de modo misterioso a vitória sobre o mal e o soerguimento da queda. Esta passagem do Gênesis foi chamada de "proto-evangelho", por ser o primeiro anúncio do Messias redentor, a do combate entre a serpente e a Mulher e a vitória final de um descendente desta última.

         A tradição cristã vê nesta passagem um anúncio do "novo Adão", que, por sua "obediência até a morte de Cruz" (Fl 2,8), repara com superabundância a desobediência de Adão. De resto, numerosos Padres e Doutores da Igreja vêem na mulher anunciada no "proto-evangelho" a mãe de Cristo, Maria, como "nova Eva". Foi ela que, primeiro e de uma forma única, se beneficiou da vitória sobre o pecado conquistada por Cristo: ela foi preservada de toda mancha do pecado original e durante toda a vida terrestre, por uma graça especial de Deus, não cometeu nenhuma espécie de pecado.

         Mas por que Deus não impediu o primeiro homem de pecar? São Leão Magno responde: "A graça inefável de Cristo deu-nos bens melhores do que aqueles que a inveja do Demônio nos havia subtraído". E Santo Tomás de Aquino: "Nada obsta' a que a natureza humana tenha sido destinada a um fim mais elevado após o pecado. Com efeito, Deus permite que os males aconteçam para tirar deles um bem maior. Donde a palavra de São Paulo: 'Onde abundou o pecado superabundou à graça” (Rm 5,20). E o canto do Exultet: “Ó feliz culpa, que mereceu tal e tão grande Redentor".

RESUMINDO

         "Deus não fez a morte, nem tem prazer em destruir os viventes... Foi pela inveja do Diabo que a morte entrou no mundo” (Sb 1,13, 2,24).

         Satanás ou o Diabo, bem como os demais demônios, são anjos decaídos por terem se recusado livremente a servir a Deus a seu desígnio. Sua opção contra Deus é definitiva. Eles tentam associar o homem à sua revolta contra Deus.

         "Constituído por Deus em estado de justiça, o homem, instigado pelo Maligno, desde o início da história, abusou da própria liberdade. Levantou-se contra Deus, desejando atingir seu objetivo fora dele."

         Por seu pecado, Adão, na qualidade de primeiro homem, perdeu a santidade e a justiça originais que havia recebido de Deus não somente para si, mas para todos os seres humanos.

         À sua descendência, Adão e Eva transmitiram a natureza humana ferida por seu primeiro pecado, portanto privada da santidade e da justiça originais. Esta privação é denominada "pecado original".

       Em consequência do pecado original, a natureza humana está enfraquecida em suas forças, submetida à ignorância, sofrimento e à dominação da morte, e inclinada ao pecado (inclinação chamada de "concupiscência").

         “Afirmamos, portanto, com o Concílio de Trento, que o pecado original é transmitido com a natureza humana, ‘não por imitação, mas por propagação’, e que ele é, portanto, próprio de cada um”.

         A vitória sobre o pecado, conseguida por Cristo, deu-nos bens melhores do que aqueles que o pecado nos havia tirado: "Onde avultou o pecado, a graça superabundou" (Rm 5,20).

         "Segundo a fé dos cristãos, este mundo foi criado e conservado pelo amor do Criador; na verdade, este mundo foi reduzido à servidão do pecado, mas Cristo crucificado e ressuscitado quebrou o poder do Maligno e libertou o mundo...".

Fonte: Catecismo da Igreja Católica - § 396 - 413

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